25/02/2018

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Eu estava num lugar pequeno, era uma sala. O clima estava tenso e muitas pessoas ali juntas me faziam perder o ar, senti meu estomago revirar e minha cabeça gira. O que estava acontecendo? Que lugar era aquele?
Eu olhava desesperadamente para os lados e só encontrava rostos estranhos, aquilo me deixava cada vez mais inquieta, até que encontrei meu pai encostado na parede de tom pastel, que combinava muito com sua expressão gélida. Ele olhava algo fixamente a sua frente, seus olhos marejavam e senti um aperto no coração, não conseguia ver por causa das pessoas a minha frente. Me aproximei dele empurrando alguns corpos e dei de cara com uma enorme superfície de madeira, notei que outras pessoas também a encaravam.
Um nó se formou em minha garganta, não queria imaginar quem poderia estar ali. Meu pai encontrou meus olhos e sussurrou para mim “ ela estava esperando por você” e apontou para o caixão de madeira. Respirei fundo e dei mais alguns passos, quando espiei mais uma vez não consegui conter as lágrimas que formavam em meus olhos e sem pestanejar escorriam por todo meu rosto. Meu coração doeu e minha garganta parecia estar cada vez mais inchada a ponto de não permitir a passagem de ar para dentro do meu corpo. A única coisa que eu podia pensar era: minha mãe não. Meu pai segurou meus ombros na tentativa de me emitir um pouco de força, mas foi em vão.
- Pai! – Gritei em meio ao choro.
- Eu sei parceira. – Ele me abraçou.
- Ela não, pai. – O agarrei como se fosse a única pessoa que me restara no mundo inteiro.

Meu celular começou a tocar. Não sabia que o praguejava ou se o agradecia por me tirar daquele pesadelo aterrorizante. Tateei o criado mudo até encontrar o celular, era apenas o despertador avisando que hoje era aniversário da minha mãe. Que ironia, sono com minha mãe morta num caixão e hoje é aniversário dela. Abri os olhos afastando qualquer possibilidade de pensar em algo ruim e fui em direção ao banheiro, tomei um banho frio para me acordar por completo, vesti um short jeans e uma regata preta, coloquei meus chinelos e prendi o cabelo num rabo de cabelo. Desci pelas escadas e vi a cena que eu mais amava no mundo.
Meu pai sentado à mesa lendo seu jornal e minha mão fazendo café enquanto cantarolava “Hey Jude” dos Beatles, era sua canção favorita, por mais que eles viviam numa rotina eu amava aquilo, amava o fato da minha mãe cuidar do meu pai e de suas trocas de olhares. Eles estavam juntos a muitos anos e parecia que mesmo com todo esse tempo o amor e a amizade dos dois continuavam intensos como no início. Ainda me lembro da surpresa que meu fizera para minha mãe quando eles fizeram quarenta anos de casados, eles eram meu maior exemplo de casamento e tudo o que eu queria um dia.
Sorri para eles, mesmo sem os dois prestarem atenção em mim, e me aproximei da minha mãe.
- Bom dia! – A abracei por trás beijando seus cabelos.
- Bom dia, querida. – Ela sorriu de costas para mim, mas senti seu sorriso.
- Feliz aniversário, eu te amo.
Ela se virou para mim e me abraçou sorrindo.
- Obrigada, querida. Eu também te amo. – Ela falou. – Agora sente-se e tome seu café.
Assenti e me sentei ao lado do meu pai que olhou para mim sorridente, eu sabia que ele estaria planejando algo.
- Qual é o plano, pai? – Perguntei baixinho para ele.
- Depois te conto, parceira.
Pisquei para ele sorrindo. Peguei uma fatia de pão com manteiga e meu café com leite, agradeci aos céus e coloquei tudo para dentro. Depois de alguns minutos rindo sobre uma história que meu pai nos contou, era algo sobre ele e meu tio pagarem mico quando saíam.
- Pai, adoro essas histórias. – Eu falei rindo.
- Parceira, você iria adorar sair comigo e seu tio quando éramos mais jovens e paquerávamos as mulheres.
- Ah, pai. Não sei, não consigo imaginar você paquerando outras mulheres que não seja minha mãe.
- Querida, seu pai era o garanhão da cidade.
Ele riu orgulhoso.
- Mas encontrei você, Mary. – Ele a olhou com tanta ternura. – Você precisava ver sua mãe dançando, era tão linda.
- Pare, João. Estou ficando sem graça.
O mais incrível era como os dois continuavam tão jovens, minha mãe mesmo com o estágio inicial desta doença, ainda se lembrava de quando eles se conheceram e eu espero que ela nunca se esqueça disso e do amor dos dois.
- Bom, eu vou deixar os dois pombinhos sozinhos e vou fazer uma ligação.  – Minha mãe me olhou e assentiu. – Preciso resolver algumas coisas sobre a faculdade.
- Tudo bem, parceira. Depois passo no seu quarto para conversarmos. – Ele piscou para mim.
Apenas sorri e sai, fui para o jardim.
Eu adorava aquela época do ano e como o ar ficava tão gostoso. Por mais que meus pais me tratassem ainda como a menininha deles, não que eu não gostasse disso, afinal era o que eu precisava. Peguei meu celular e digitei o número de Michael.
- Alô – Ele atendeu com uma voz sonolenta.
- Acorda! – Falei rindo.
- Bom dia para você Anne!
- Bom dia. Como você está?
- Animado e com sono – Ele riu. – Vou sair daqui uma hora, antes do almoço estarei aí.
- Estou sentindo sua falta.
- Eu também, não vejo a hora de te abraçar. – Ele pausou – Você falou com seus pais que eu estou indo?
- Não, mas vou falar. E lembre-se de trazer o presente da minha mãe que está no meu apartamento.
- Ok, não vou esquecer.
- Te vejo em poucas horas.
- Até daqui a pouco, Anne.
- Tchau.
Desliguei. Eu adorava ouvir a voz dele. Michael era meu melhor amigo e ao mesmo tempo uma pessoa muito importante para mim. Começava a pensar em seu sorriso, em seu cabelo desgrenhado com o vento e com sua voz suave, como ele me fazia falta.
Sentei em meu balanço de infância e deixei o vento me envolver. Fechei os olhos e lembrei de seus lábios macios.
- Parceira? – Meu pai me chamou, me tirando dos meus pensamentos.
- Pai. – Pulei do balanço.
- Te atrapalho?
- Claro que não, eu só estava pensando.
- Posso saber em que?
- Ah. – Respirei fundo. – Estou preocupada com minha mãe, hoje tive um pesadelo com ela. – Olhei em seus olhos.
- Sei como é, eu também tenho pesadelos toda noite. – Notei uma expressão diferente em seu rosto, de tristeza. – Eu a amo tanto, não consigo suportar a ideia de não a ter por perto.
- Ah, pai – Me levantei o abracei forte. – Mamãe é forte, sabemos disso. -  Ele respirou aliviado.
- Mas, Anne.  – Ele se separou para me encarar. – Tem mais algo te incomodando.
Cocei a cabeça e olhei para o chão. Como podia ele me conhecer tanto assim?
- Tem um rapaz. – O olhei e ele estava me olhando com atenção. – Estamos nos conhecendo e está vindo para conhecer vocês.
- Anne, - Ele me fechou os olhos e voltou a me encarar. – Eu sabia que esse dia iria chegar, mas prometo não o esperar com a espingarda do seu avô apontada para ele. – Eu ri. – Só quero que ele seja bom o suficiente para você.
- Eu te amo, Pai.
- Eu também, filha.
- Mas, vamos falar sobre a festa surpresa da minha mãe.
Sentamos na grama e ficamos bolando tudo. Ligamos para minhas tias, suas sobrinhas. Viria todo mundo, inclusive Michael. 

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